Sempre soube o que e quem eu era, sempre soube que havia liberdade demais dentro de um corpo que não cabia onde estava, sempre soube que seria dolorosa a metamorfose, e como foi. No início eu achei que o problema era a família em que nasci, as pessoas que eram minha base e que as vezes não compreendiam tudo que eu sonhava e tudo que podia ser. Depois, acreditei que eram os amigos certos de sua realidade imutável e sem grandes ambições. Mas então percebi que desse mal, todos eles padeciam. Ser mulher, ter uma opinião, desejar ir a lugares só pelo próprio desejo, é algo que não nos cabe. Não deveria. No final, todos reproduzem os preconceitos e as prisões que sofreram, todos votam pelo que "deve ser feito", pela "postura que deve ser adotada", mas ninguém da valor ao que sempre esteve guardado no seu coração. Não importa sua voz, o quanto você trabalhe, o quanto você explique e se organize, um erro será muito mais importante do que anos de mérito. Não importa sua opinião sobre economia, sobre desemprego, sua opinião política, ingenuidade sua acreditar nisso ainda. Não interessa seus planos futuros, sua visão de ética e moral, seu empenho em transformar através de pequenos atos o mundo de outras pessoas e o seu próprio, é hipocrisia. Não importa o quanto trabalhe, o quanto se esforce, o quanto dedique tempo e amor às suas funções, nunca será o suficiente. Não importa, pra eles. Não é o suficiente, pra eles. Pra mim é, pra nós é, e só através da luta diária pelo fim dessas pequenas agressões é que algo poderá ser diferente pra nossas filhas. Filhas estas que quando vem filhos, agradecemos. Só porque uma criança não merece o peso de enfrentar tamanha dificuldade por ser quem é.
r.