A saudade já é perdão. Sentir saudade é desculpar. Se você vem sentindo saudade é que esqueceu, é que não
guardou mágoa, é que superou o ressentimento, é que dispensou a vingança, é que
resolveu por dentro, com a quietude da esperança. Quando a saudade chega não adianta mais impor regras e
mandar embora. Acabaram o jogo, o blefe e as cláusulas minúsculas. A saudade é um convite irrecusável. É um apelo. É uma
passeata de pássaros. Com a saudade, você aceitou a retratação - dita ou o
implícita. Saudade revoga prazos, ordens, ditames, censuras. Não tem como exigir mais nada, não tem como reivindicar
mudanças. É admitir a volta sem explicação. É admitir o retorno sem
contrapartida. Saudade é um golpe de estado. Abole o que foi
estabelecido antes. Saudade é o domínio da pele, é a preponderância do
cheiro, é a emoção desmontando a hierarquia das palavras. A saudade é recompensa por seguir amando diante das
inconstâncias, é a vitória do acertos sobre os defeitos. Saudade é o fim da culpa, é o desejo livre. Saudade é um vontade com juros: abraçar com as pernas,
machucar com o beijo. Saudade é serenar o travo, beber o seco. Saudade é se despedir do sofrimento e ficar com a lição
da cicatriz. É respeitar a imperfeição, não precisar consertá-la para seguir
inteiro. É respeitar a falha, não recorrer às mentiras para corrigi-la. É
respeitar a ausência, jamais ocupar a cadeira porque está vazia. Saudade é quando morre a idealização para não morrer o
amor. Somente o orgulhoso não é capaz de sentir saudade. O
orgulhoso não avança nem anda para trás. O orgulhoso senta em cima do coração.
Fabrício Carpinejar
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